Nem tudo é piada na vida da humorista.
ão me facilitaste nada a vida”, começo por dizer quando nos sentamos à mesa para conversar. Como se faz um perfil de uma mulher (será?) que livrou a pele de todas as etiquetas? Joana Gama é tudo e coisa nenhuma: não é homem, mas também não se sente 100% mulher, não é heterossexual, mas também não é lésbica, é insegura e egocêntrica, ‘impostora’ e omnipresente, tímida e um animal de palco. Formada em Comunicação Social, fez televisão (Curto Circuito), passou pelo Maluco Beleza de Rui Unas, e depois da Mega Hits e RFM regressou agora à rádio para fazer as manhãs na Antena 3. Faz ainda stand up: após o Comedy Therapy, subiu ao palco com o espetáculo ‘Não sei ser’. Ao autoelogio segue-se quase sempre a autocrítica e a piada surge frequentemente quando a conversa fica demasiado séria.
O humor está-lhe no sangue, diz que é hereditário e uma inevitabilidade, mas também uma excelente arma ao serviço das suas fragilidades. Vejo-lhe a felicidade estampada no rosto, a mesma que ela diz conseguir agora detetar nos outros, ouço-lhe o sorriso na voz mesmo quando fala muito a sério. Joana confirma: aos 36 anos está a passar pela melhor fase da sua vida. Há dois, deixou o preconceito de parte e consultou um psiquiatra que lhe diagnosticou um transtorno de personalidade. Fê-lo pela filha (fruto da relação com Frederico Pombares), a âncora que a obrigou a ficar e a lidar. Nesse sentido, Irene, de nove anos, salvou-a da vida demasiado difícil para a qual não tinha justificação. Talvez o rótulo de ‘mãe’ seja o único que se lhe deixe colar, embora o início tenha sido assustador e muitos dos medos exorcizados durante anos em livros e no blog ‘A mãe é que sabe’.
Afinal, o que se pergunta a uma pessoa que já diz tanto para toda a gente ouvir, numa exposição que justifica mais com necessidade do que com vontade e com a qual lida com um assertivo ‘que se lixe’ (para não dizer outra coisa)? Joana tem uma espécie de diário em formato podcast (‘banana-papaia’, ‘Psychoterapia’ e agora ‘Não sei ser’) e tornou-se literalmente um livro aberto depois de publicar ‘Alguém que me cale’. Durante a entrevista, mediu muitas vezes as palavras, respirando fundo e atirando, antes de responder, “vou dizer, depois logo se vê”. Passo-lhe a batata quente.
Qual seria a melhor pergunta para te fazerao começar esta entrevista?
Do que é que te arrependes que esteja publicado?
Do que é que te arrependes que esteja publicado?
(Risos) Recentemente, houve aquela crónica do Bruno Nogueira na ‘Sábado’ e era algo em que eu já pensava há algum tempo. Não me arrependo do conteúdo em si, mais das fotografias, porque ela agora cresceu e não quer fotografias dela na Internet. Estou agora em processo de fazer um backup de todo o blog e de o ‘apagar’, por respeito à miúda. A minha filha é uma pessoa, tem direito à imagem, ocorreu-me passados uns anos. (risos)
Ficaste ansiosa ao saber que ias ter uma menina?
Não, fiquei muito feliz. Existia sempre em mim um lado de querer de alguma forma salvar a infância, no sentido de ela não ter a infância que eu tive, não que tivesse sido terrível nem nada do género, mas podia ter sido bem melhor. Ajuda-me a recuperar um pouco isso, a dar-lhe tudo aquilo que eu não tive, dar-lhe a segurança, a confiança, a autoestima e sinto que sou uma pessoa que tem potencial para tentar fazê-lo todos os dias. Quero tanto afastar-me dos exemplos que se calhar estou a pecar por excesso.